Este trecho extraído de uma carta escrita por Stradivari datada de 12 de agosto de 1708 tem recebido varias interpretações ao longo dos últimos dois séculos, e hoje ainda há duvidas sobre o seu significado. No tratado escrito pelos irmãos Hill o trecho tem a seguinte tradução:
" Peço que me perdoe o atraso com o violino, ocasionado pelo envernizamento das grandes rachaduras, de modo que o sol não as faça abrir novamente".
No livro de Sacconi (il secreti di Stradivari, 1979), a interpretação é a de que o atraso na entrega do violino se dera "por causa do verniz, que antes de secar precisa ser exposto ao sol forte, para que amoleça e se espalhe uniformemente, de tal maneira que as marcas de pincel não apareçam".
Entretanto, nenhuma dessas interpretações explicam completamente as razões para o atraso. Dois trabalhos importantes de famosos artistas italianos,"il libor dell'arte"(1437) de Cennino Cennini e "le vite de più eccellenti architetti, pittori, et sculptore italiani" (1550) de Giorgio Vasari permitem traçar paralelos interessantes entre pintura e liuteria.
Qualquer pessoa familiarizada com técnicas de pintura sabe que o verniz final protege e dá brilho e profundidade às cores. As pinturas em têmpera sobre madeira mencionadas com frequência por Cennini e Vasari tinham de ser envernizadas senão as tintas feitas com ovo ou cola teriam uma aparência opaca.
" Tome o verniz liquido mais transparente e brilhante. Coloque sua pintura no sol, limpe-a cuidadosamente e certifique-se se não há vento.quando a pintura e o verniz estiverem aquecidos pelo sol, espalhe o verniz com a mão. se deseja-se que o verniz seque sem ajuda do sol, ferva-o antes de usar, de tal modo que a pintura não seja danificada".
É fato bem conhecido que alguns vernizes podem resistir a altas temperaturas; aliás eles muitas vezes são preparados a fogo. isso não se aplica à madeira, que pode empenar ou rachar com altas temperaturas ( basta observar o que acontece com aquele violino esquecido no porta-malas de um carro ao longo de um dia).
Um segundo paralelo aparece no capitulo sobre Antonello de Messina do livro de Vasari, no qual ele narra:
"Um dia Giovanni da Brugia (Jan Van Eick) pintou com grande esforço uma peça de altar e então envernizou-a, como era o costume naquela época. Depois a pintura foi exposta ao sol para secar, mas a madeira rachou. a causa pode ter sido o calor, ou má colagem, ou talvez a madeira verde".
É interessante que o uso do sol no tratamento de vernizes era uma pratica bem estabelecida. Os vernizes usados naquele tempo eram feitos de resinas e óleos que eram fervidos e misturados em adtivos químicos, como pode ser verificado na seguinte passagem:
"Ele finalmente descobriu que a combinação de óleo de linho com óleo de nozes era a mais secativa de todas. Estes óleos eram fervidos juntamente com outras substancias a fim de obter o verniz que ele queria".
À luz dessas afirmações pode ser deduzido que as "crepe" (rachaduras) mencionadas na carta de Stradivari se referiam não ao verniz mas sim à madeira do instrumento. A passagem pode ser reinterpretada como se segue:
"Peço que me perdoe o atraso na entrega do violino, causado pelo verniz (que necessita de luz solar para secar). Nós devemos ter cuidado para que o instrumento não rache devido ao calor".
Em Cremona a temperatura em agosto pode subir bem além dos 30º C.
A importância da luz solar é também evidenciada na correspondência entre o padre Fulgentius Micanzio de Veneza e o astrônomo Gallileo, em nome do qual Micazio havia encomendado um violino de Cremona, numa carta de 1683, Micazio explica que "um instrumento bem feito não pode ser levado à perfeição sem o forte calor do sol"; e em outra, ele menciona que o processo levaria dois dias.
De tudo isso fica claro que os antigos "liutai" e pintores empregavam vernizes a óleo, não existe, entretanto, um verniz "ideal". Stradivari variava frequentemente seu acabamento dependendo do gosto do omento ou dos prazos de entrega, e não se pode dizer que seu verniz é "melhor" que o de um Amati bem preservado. contudo, os vernizes utilizados pelos antigos mestres têm algumas características em comum.
As resinas são ingredientes fundamentais nos vernizes à óleo, e é possível que no passado o próprio termo "verniz" tenha se derivado do nome de uma resina. Uma interpretação seria de que o termo vem do latim (por volta do século XIII) na forma "veronix - venoricis - veronice". Alguns dicionários de etimologia relacionam o termo "vernice" à palavra feminina de origem Macedônica "Bernike" ( a palavra para verniz em grego é "berniki"). Este foi o nome de algumas rainhas egípcias, entre as quais Berenice II ( sec. III A.C.) a qual deu seu nome à uma cidade em cirenaica (hoje Banghazi), um porto mediterrâneo a partir do qual uma variedade de produtos preciosos era exportada. Era comum no passado que materiais fossem chamados pelo nome do porto por onde eram embarcadas - colofonia por exemplo, obteve seu nome a partir da cidade lídia de Colophon. Portanto é possível que Berenice deu seu nome a uma forma de resina, "vernice". No curso do tempo, o termo assumiu o significado mais geral que tem hoje.
Há outros exemplos de como, através de como, os nomes das resinas associadas com a fabricação de vernizes tiveram seus significados alterados. Sandaraca por exemplo, vem do grego " sandarakè", ao qual por sua vez tem origem assíria "candra raga"(tão brilhante como a lua). refere-se aqui ao reagar (cennini chama-o "risalgallo"), um bisulfito de arsênio amarelo-alaranjado usado em pinturas desde tempos rmotos e chamado de "sandaracha". Por outro lado Aristóteles na sua "história dos animais" identifica sandaraca como sendo uma goma derivada das coméias (própolis).

Conclui-se possivelmente o termo verniz teve um significado específico até o século XV, embora ainda não seja claro se ele se referia à sandaraca, goma junipero, mastique ou alguma outra substancia. Contudo, qualquer umas dessas resinas, quando misturada com óleo de linho, fornecem vernizes de alta qualidade para violinos. Não houve nenhum "segredo": tão somente a habilidade, bom gosto, personalidade artística do liutaio.